O projeto de lei 867/2015, que trata da escola sem partido, foi apresentado à Câmara dos Deputados pelo deputado Izalci Lucas, do PSDB/DF, em 26/03/2015.
Foi recebido pela Comissão de Educação do Congresso em 06/04/2015.
E pela Comissão de Seguridade Social e Família em 09/05/2016.
Atualmente aguarda parecer de Comissão Especial.
No Senado Federal também tramita outro projeto de lei de mesmo teor.
Trata-se do projeto de lei 193/2016, apresentado ao Senado em 03/05/2016 pelo senador e pastor Magno Malta, do PR/ES.
Esse projeto foi entregue em 03/06/2016 à Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, onde aguarda a relatoria do senador Cristovam Buarque.
Com o mesmo objetivo do projeto da Câmara, ele altera as diretrizes e bases da educação nacional incluindo o chamado “Programa Escola Sem Partido.”
O Movimento Escola Sem Partido, embora mais popular agora, existe desde 2004 e embasa esses projetos de lei.
Tais projetos, se aprovados, modificam a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
O que seria uma escola sem partido?
O Escola sem Partido se dedica ao que denomina “problema da instrumentalização do ensino para fins políticos e ideológicos”.
E seu lema é “educação sem doutrinação”.
Esse movimento tem inspirado projetos de lei em todos os níveis de governo.
Que se aplicam a regular desde o que o professor ensina em sala de aula até a composição de livros didáticos e as avaliações para o ingresso no ensino superior.
Os projetos preveem afixação, em toda sala de aula, de uma lista com os “deveres do professor”.
Desses deveres, destaca-se, a título de exemplo:
“O professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.”
Inicialmente, o que pensar acerca desses projetos de leis inspirados pelo movimento?
Tais projetos representariam uma censura do ato educativo ao induzir pais e estudantes a denunciarem professores em nome de uma suposta neutralidade da educação?
Trata-se de uma ação política lutar para que os valores não mudem.
Mas não se trataria de doutrinação política ou defesa ardorosa de uma posição política reivindicar que o conservadorismo normatize o que pode e o que não pode ser dito em sala de aula?
E quanto àqueles que dedicam sua profissão justamente à implementação de uma nova escala de valores — por exemplo, equidade de gênero, igualdade étnica, igualdade de condições materiais para todos, ou seja, tudo aquilo que muitos valores tradicionais não permitem —, não teriam lugar na escola?
A escola deve ser o campo do plural e do diverso.
Pois nela há o encontro de gerações, de etnias, de classes sociais, de pertencimento religioso, de origem regional, de padrão estético, de gosto etc., reflexos do ordenamento social que contempla essa pluralidade.
O que o projeto escola sem partido chama de “educação doutrinada”
A questão de gênero tem sido atacada em razão do levante conservador, heteronormativo e machista que persiste na sociedade.
Para o escola sem partido, discutir na escola questões de gênero, é aplicar o que eles chamam de “ideologia de gênero”.
“Ideologia de gênero” é um termo carregado de preconceito e de negatividade.
E denota uma falta de conhecimento sobre o que é gênero.
Uma questão histórica, social e política que implícita e explicitamente faz parte da prática social e educacional.
Conhecer a si e ao outro e respeitar essa pluralidade são questões do Estado democrático de direito.
O impedimento do debate acerca de temas de relevância social significa o silenciamento e o não reconhecimento dos direitos historicamente negados de mulheres, índios, negros e homossexuais.
O direito à educação, o direito à vida, o direito ao trabalho, o direito à existência, sem medo da violência.
A ideia de democracia deve incluir a justiça social.
A tentativa de inviabilizar, ao mesmo tempo, a produção e a socialização de conhecimento para uma educação antirracista e o objetivo de minar toda e qualquer possibilidade dessa discussão é, mais uma vez, uma tentativa de silenciamento e de perseguição.
Colocada pelo Escola Sem Partido, por via da judicialização da ação docente.
Dos poucos profissionais que operam para a reflexão sobre as injustiças sociais de modo a desvelar a história oficial para ouvir seus agentes silenciados.
A escola é apenas uma das instituições educativas com que os sujeitos têm contato ao longo de suas vidas.
Posto que cotidianamente esses mesmos sujeitos convivem entre outros diferentes agentes educativos.
A família, a igreja, as associações, os sindicatos, que também são promotores de ideias e opiniões.
A mídia tem influência marcante sobre as mentalidades, porém com uma visão conservadora e de manutenção do status:
Quem são os protagonistas de suas histórias?
Como são representadas as minorias nas peças de propaganda e nas telenovelas?
Quem aparece como foco de criminalidade por sua localização periférica e sua cor?
Na busca pelas respostas a essas perguntas fica patente que a escola precisa se constituir como âmbito de liberdade de ideias e de convívio com a diferença.
Aspectos que serão alcançados não pelo viés da judicialização, mas pelo esforço de todos os agentes envolvidos na escola em torno da efetivação de uma escola livre, acolhedora das diferenças.
Porque o escola sem partido não tem sentido
Um aspecto central no conjunto das críticas envolve o mito da neutralidade do conhecimento a ser ensinado.
A Escola sem Partido defende a partir da falsa ideia de que é direito da família ter assegurada uma educação que não divirja de suas convicções morais, políticas e religiosas.
Mas é impossível uma educação neutra.
A educação, necessariamente é e sempre será guiada por alguma filosofia.
Por uma concepção de mundo, mesmo que esses não sejam explicitados nos respectivos projetos político pedagógicos.
Ou que seus sujeitos não tenham pleno conhecimento, consciência ou concordância com os mesmos.
O conhecimento é uma produção social e política.
Sempre. Não há neutralidade.
Portanto é impossível uma escola que “não tome partido” diante de situações próprias do contexto educacional.
Sejam elas pedagógicas, relacionais ou institucionais.
Só nisso, o próprio nome do projeto é posto em suspensão.
A dicotomia entre uma escola “sem partido” e outra “com partido” é falsa.
Encobre que o objetivo não é despartidarizar a escola.
Mas retirar dela o pensamento crítico, a problematização e, por conseguinte, sua efetiva democratização.
E embora pretenda proibir a “doutrinação política e ideológica” e o “conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais”, o mesmo não define o que é “doutrinação”.
Então como pode o professor, diante de turmas heterogêneas, evitar atividades que possam estar em conflito com as convicções dos mais diferentes pais de todos os estudantes?
Seria a efetiva destruição da escola como espaço de debates.
E um tamanho retrocesso no ensino.
Tratar de racismo, machismo, homofobia, democracia e respeito aos direitos é ideológico?
E se calar diante das injustiças, perpetuar uma cultura de desigualdade e violência, não é?
Como ensinar de forma neutra o extermínio e a escravidão de povos inteiros?
Como omitir o espanto frente a temas como o Holocausto ou Ditadura Civil-Militar no Brasil?
Não seria essa “neutralidade” uma forma de naturalizar atrocidades humanas que, em verdade, foram social, política e historicamente produzidas?
Outra crítica envolve a tentativa estéril de separar os atos de “educar”, “instruir” e “ensinar”.
Em tal projeto, à escola caberia o papel limitado de instruir.
Ou seja, transmitir conhecimentos.
O que deve ser feito de maneira técnica: supostamente isenta, imparcial e neutra.
A tarefa de educar, nesta visão, seria exclusiva da família e de sua religião.
Ao ponto de afirmarem que a lei seria “contra o abuso da liberdade de ensinar”.
O projeto também supõe que os alunos sejam tábulas rasas, totalmente passivos e manipuláveis diante do professor.
O que é absurdo.
Mesmo os alunos mais novos vivem em sociedade, de forma que é essencial que, desde pequenos, aprendam valores democráticos, sendo a escola o palco essencial para a experiência de convívio com a diferença.
Perceber os alunos como sujeitos é justamente o contrário de percebê-los como passivos.
Se os alunos são concebidos como seres totalmente passivos e manipulados, os professores então estão colocados como verdadeiros monstros, manipuladores em potencial.
O Escola sem Partido pretende, substancialmente, transformar a prática docente ao papel de mero prestador de serviços.
Contradizendo princípios básicos e pétreos promulgados na Constituição Cidadã de 1988.
Em especial, a indissociabilidade entre a liberdade de aprender (defendida pelo projeto) e a liberdade de ensinar (proibida nele, não apenas no que se refere ao pluralismo de ideias, mas também de concepções pedagógicas).
Para quem quiser entender mais, recomendo a leitura do modelo de educação bancária criticado por Paulo Freire.
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