Que pedagogia guia sua prática docente?

Quais fatores pedagógicos você utiliza para guiar o ensino aprendizado dos seus alunos?

Quando se fala de “fatores pedagógicos” incluem-se nesta categoria todos os processos relacionados com o ensino-aprendizagem que um determinado grupo elegeu como apropriada para seu sistema de produção.

Todos os processos educativos, assim como suas respectivas metodologias e meios, têm por base uma determinada pedagogia.

Isto é, uma concepção de como se consegue que as pessoas aprendam alguma coisa.

E, a partir daí, modifiquem seu comportamento.

A pedagogia escolhida, por sua vez, se fundamenta em uma determinada epistemologia ou teoria do conhecimento.

As opções pedagógicas adotadas por um determinado contexto refletem as ideologias (e os objetivos) desse referido contexto.

E muitas vezes, o interesse central não está precisamente dirigido aos fundamentos epistemológicos da pedagogia.

Mas sim aos efeitos de sua aplicação.

Cada opção pedagógica, quando exercida de maneira dominante durante um período prolongado, tem consequências discerníveis sobre a conduta individual.

E também sobre o comportamento da sociedade em seu conjunto.

Embora existam numerosas opções pedagógicas, ressaltaremos três que consideramos polêmicas por seus domínios.

A pedagogia de transmissão

A Pedagogia de Transmissão parte da premissa de que as ideias e conhecimentos são os pontos mais importantes da educação.

E, como consequência, a experiência fundamental que o aluno deve viver para alcançar seus objetivos é a de receber o que o professor ou o livro lhes oferecem.

O aluno é considerado como uma “página em branco”.

Onde novas ideias e conhecimentos de origem exógena serão impressos.

Ainda que tradicionalmente a pedagogia de transmissão venha acompanhada pela exposição oral do professor, e por isso justifique a expressão “magister dixit“, a verdade é que em muitos casos a moderna tecnologia educacional com seus complicados conjuntos multimeios pode não ser nada mais que um veículo sofisticado de mera transmissão.

É necessário observar que a pedagogia de transmissão não está circunscrita nas situações de educação formal.

Mas quase sempre pode estar presente nas situações de educação não-formal.

Assim, quando se criticam os agentes de treinamento em campos profissionalizantes, de usar um estilo autoritário e vertical na transmissão de, por exemplo, novos conhecimentos técnicos, em geral o que se pretende denunciar é uma entrega de conhecimentos sem o correspondente esforço para desenvolver as habilidades intelectuais (observação, análise, avaliação, extrapolação, compreensão, etc).

As possíveis consequências desta pedagogia seriam:

No âmbito individual:

  • elevada absorção de informação;
  • hábito de tomar notas e memorizar;
  • passividade do aluno e falta de atitude crítica;
  • profundo “respeito” quanto às fontes de informação (professores ou textos);
  • distância entre teoria e prática;
  • tendência ao racionalismo radical;
  • preferência pela especulação teórica;
  • falta de “problematização“ da realidade.

No âmbito social:

  • adoção inadequada de informações e tecnologia de países desenvolvidos;
  • adoção indiscriminada de modelos de pensamento elaborado em outras regiões (inadaptação cultural);
  • conformismo;
  • individualismo e falta de participação e cooperação;
  • falta de conhecimento da própria realidade e, consequentemente, imitação de padrões intelectuais, artísticos e institucionais estrangeiros;
  • submissão à dominação e ao colonialismo;
  • manutenção da divisão de classes sociais (do status quo).

Parece evidente que a pedagogia da transmissão não coincide com as aspirações de um desenvolvimento baseado na transformação das estruturas.

Nem com o crescimento pleno das pessoas e sua participação ativa no processo de mudança.

É bom lembrar que no processo de ensino aprendizagem de capacitação existe um sério perigo de adotar a pedagogia da transmissão.

O fato de que se transmitem não só conhecimentos ou ideias mas também procedimentos e práticas, não altera o caráter transmissivo do fenômeno.

Já que os procedimentos inculcados provêm integralmente de uma fonte que já o possui e o aluno não faz outra coisa senão receber e adotar (por repetição).

Assim sendo, fica evidenciada a falha pela falta de uma postura reflexiva diante de possíveis problemas que venham a surgir.

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A pedagogia do condicionamento

A Pedagogia do Condicionamento se diferencia da pedagogia da transmissão por não considerar como mais importante no processo educativo as ideias e os conhecimentos.

Na verdade ela enfatiza os resultados comportamentais.

Ou seja, as manifestações empíricas e operacionais da troca de conhecimentos, atitudes e destrezas.

Esta escola pedagógica, associada ao behaviorismo (Watson, Skinner) e a reflexologia (Pavlov), se concentra no modelo da conduta mediante um jogo eficiente de estímulos e recompensas capaz de “condicionar” o aluno a emitir respostas desejadas pelo professor.

É como ocorre no treinamento de animais domésticos.

Como por exemplo, com cães que saltam através de um arco “motivados” em receber a “recompensa” pelo “esforço” realizado.

Traduzindo-se o exemplo para a educação humana, o processo consiste em que o professor estabeleça objetivos instrumentais de realização quantitativamente mensuráveis.

E programe uma estratégia de modelagem baseada em uma sequência de pequenos passos.

Reforçando ou recompensando o aluno quando a resposta emitida coincide com a resposta esperada.

Mediante a repetição da associação estímulo-resposta-reforço, o aluno termina por ser condicionado a emitir respostas desejadas sem necessidade de um reforço contínuo.

No caso do estudante que, ainda que receba uma nota por cada assunto aprendido, aprende, por condicionamento subconsciente, a temer uma nota ruim e não apenas pelo prazer de aprender.

Muito da Tecnologia Educacional Moderna se baseia na Pedagogia Condicionalista.

Começando pela Instrução Programada e terminando pelo enfoque mais amplo do Ensino para a Competência ou o Domínio.

O Método dos Módulos pode também ser incluído na pedagogia do condicionamento se as instruções que a realizam enfatizarem a obtenção de objetivos preestabelecidos ao invés do desenvolvimento integral do aluno como ser individual e social.

Vejamos quais poderiam ser as consequências individuais e sociais da pedagogia do condicionamento.

Ou modelagem da conduta, também chamada “engenharia do comportamento”.

No âmbito individual:

  • aluno ativo, emitindo as respostas que o sistema permitir;
  • alta eficiência da aprendizagem de dados e processos;
  • o aluno não questiona os objetivos nem o método e nem participa em sua seleção;
  • o aluno não problematiza a realidade nem lhe é pedida uma análise crítica da mesma;
  • o aluno não tem oportunidade de criticar as mensagens (conteúdos) do programa;
  • o tipo e a oportunidade dos reforços são determinados pelo programador do sistema;
  • tendência ao individualismo salvo quando o programa estabelece oportunidades de co-participação;
  • tendência à competitividade: o aluno mais rápido ganha em status e em status acesso a matérias ulteriores;
  • tendência a renunciar à originalidade e criatividade individual: as respostas corretas são preestabelecidas.

No âmbito social:

  • tendência à robotização da população com maior ênfase na produtividade e na eficiência do que na criatividade e na originalidade;
  • costumes de dependência de uma fonte externa para o estabelecimento de objetivos, métodos e reforços: desenvolvimento da necessidade de um líder;
  • falta de desenvolvimento de consciência crítica e de cooperação;
  • eliminação do conflito como ingrediente vital da aprendizagem social;
  • suscetibilidade dos programas à manipulação ideológica ou tecnológica;
  • ausência de dialética “professor-conteúdo” salvo em sessões eventuais de reajustes;
  • dependência de fontes estrangeiras de programas, equipamentos e métodos;
  • tendência ao conformismo por razões superiores de eficiência e pragmatismo utilitário. 

Pode-se inferir desta lista de consequências que o balanço final desta pedagogia é algo alarmante para países do Terceiro Mundo, empenhados como estão em lograr sua independência mental associada à independência tecnológica, política e sócio-econômica.

Parece que os métodos emergentes desta pedagogia deveriam ser utilizados somente depois que os alunos já houvessem desenvolvido sua consciência crítica e sua capacidade de problematizar sua própria realidade mediante outros métodos menos condicionadores.

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A pedagogia da problematização

A Pedagogia da Problematização parte da base que, em um mundo de mudanças rápidas, o importante não são os conhecimentos ou ideias nem os comportamentos corretos e fáceis que se espera.

Mas sim o aumento da capacidade do aluno – participante e agente da transformação social – para detectar os problemas reais e buscar para eles soluções originais e criativas.

Por esta razão, a capacidade que se deseja desenvolver é a de fazer perguntas relevantes em qualquer situação.

Fazer perguntas relevantes para entendê-las e ser capaz de resolvê-las adequadamente.

Em termos de capacitação em gestão e produtividade, não é tão importante, dentro do contexto desta pedagogia, a transmissão fiel de conceitos, fórmulas, receitas e procedimentos.

Nem tampouco a aquisição de hábitos fixos e rotinas de trabalho que conduzem a uma boa gestão.

Em certas situações, é mais importante e urgente desenvolver a capacidade de observar a realidade imediata ou circundante como a global e estrutural.

Detectar todos os recursos de que se possa lançar mão.

Identificar os problemas que obstaculizam um uso eficiente e equitativo dos ditos recursos.

Localizar as tecnologias disponíveis para usar melhor os recursos ou até inventar novas tecnologias apropriadas.

E encontrar formas de organização do trabalho e da ação coletiva para conseguir tudo anteriormente citado.

Essa pedagogia não separa a transformação individual da transformação social.

Isso porque ela deve desenvolver-se em situação grupal.

O diagrama a seguir representa esta pedagogia problematizadora.

Charles Maguerez, seu autor, o chamou de “método do arco”.
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O diagrama nos diz que o processo “ensino-aprendizagem” relacionado com um determinado aspecto da realidade, deve começar levando os alunos a observar a realidade em si, com seus próprios olhos.

Quando isto não é possível, os meios audiovisuais, modelos, etc, permitem trazer a realidade até aos alunos.

Mas, naturalmente, com perdas de informação inerentes a uma representação do real.

Ao observar a realidade, os alunos expressam suas percepções pessoais, efetuando assim uma primeira “leitura sincrética” ou ingênua da realidade.

Em um segundo momento ou fase, os alunos separam, no que foi observado, o que é verdadeiramente importante do que é puramente superficial ou contingente.

Melhor dizendo, identificam os pontos chave do problema ou assunto em questão, as variáveis mais determinantes da situação.

Esta etapa da problematização constitui uma das razões mais importantes da superioridade desta pedagogia sobre as de transmissão e condicionamento.

Em um terceiro momento, os alunos passam à teorização do problema ao perguntar o porquê das coisas observadas.

Ainda que o papel do professor seja importante como estímulo para que os alunos participem ativamente, nesta fase de teorização sua contribuição é fundamental.

Pois a tarefa de teorizar é sempre difícil e ainda mais quando não se possui o hábito de fazê-lo.

Trata-se então do caso de apelar para conhecimentos científicos contidos no dia-a-dia e outras maneiras simplificadas e fáceis de comprovação.

Se a teorização é bem sucedida o aluno chega a “entender” o problema não somente em suas manifestações empíricas ou situacionais assim como também os princípios teóricos que o explicam.

Essa etapa de teorização que compreende operações analíticas da inteligência é altamente enriquecedora e permite o crescimento mental dos alunos.

Como diz Piaget eles passam pelo próprio esforço do domínio das “operações concretas” para as “operações abstratas” e isto lhes confere um poder de generalização e extrapolação considerável.

Eis, então, outra razão da superioridade da pedagogia da problematização sobre as de transmissão e condicionamento.

Confrontada a Realidade com sua Teorização, o aluno se vê naturalmente movido a uma quarta fase: a formulação de Hipóteses de Solução para o problema em estudo.

É aqui onde deve ser cultivada a originalidade e a criatividade para que os alunos deixem sua imaginação livre e se acostumem a pensar de maneira inovadora.

Porém, como a teoria em geral é muito fértil e não tem amarras situacionais, algumas das hipóteses apresentadas podem ser válidas a princípio, porém não na prática.

De modo que esta etapa deve conduzir o aprendiz a levar a termo provas de viabilidade e factibilidade, confrontando suas hipóteses de solução com os condicionamentos e limitações da própria realidade.

A situação de grupo ajuda a esta confrontação “ideal-real”.

Aqui vemos outra vantagem desta pedagogia.

O aluno usa a realidade para aprender com ela, ao mesmo tempo em que se prepara para transformá-la.

Na última fase, o aluno pratica e fixa as soluções que o grupo encontrou como sendo mais viáveis e aplicáveis.

Aprende a generalizar o aprendido para utilização em situações diferentes e a discriminar em que circunstâncias não é possível ou conveniente a aplicação sabendo a qual escolher.

Através do exercício aperfeiçoa sua destreza e adquire domínio e competência no manejo das técnicas associadas à solução do problema.

Correndo o risco de repetir pontos já ditos, pode-se esperar que a pedagogia da problematização tenha as seguintes consequências:

No âmbito individual:

  • aluno constantemente ativo, observando, formulando perguntas, expressando percepções e opiniões;
  • aluno motivado pela percepção de problemas reais cuja solução se converte em reforço;
  • aprendizagem ligada a aspectos significativos da realidade;
  • desenvolvimento das habilidades intelectuais de observação, análise, avaliação, compreensão, extrapolação, etc;
  • intercâmbio e cooperação com os demais membros do grupo;
  • superação de conflitos como ingrediente natural da aprendizagem grupal;
  • status do professor não diferente do status do aluno.

No âmbito social:

  • população conhecedora de sua própria realidade e reação à valorização excessiva do forâneo (externo) ou sua imitação;
  • métodos e instituições originais, adequadas à própria realidade;
  • cooperação na busca de soluções para problemas comuns;
  • redução da necessidade de um líder pois os líderes são emergenciais (ou contingenciais);
  • elevação do nível médio de desenvolvimento intelectual da população, graças a maior estimulação e desafio;
  • criação (ou adaptação) de tecnologia viável e culturalmente compatível;
  • resistência à dominação por classes e países.

Da análise comparativa da natureza e consequências das três opções pedagógicas apresentadas, parece evidente uma nítida superioridade da terceira opção, a problematizadora.

Sem dúvida, isto não quer dizer que se tenha de rechaçar totalmente as contribuições das duas outras opções, sobretudo de algumas de suas aplicações metodológicas.

Assim, por exemplo, existem momentos em que o processo de ensinar onde tudo que se requer é transmitir informação, e outros, em que certos automatismos devem ser fixados pelo aluno para a execução de sequências rígidas de operações.

O que não se pode é perder de vista o objetivo fundamental da ação educativa, que consiste em desenvolver a personalidade integral do aluno, sua capacidade de pensar e raciocinar, assim como seus valores e hábitos de responsabilidade, cooperação, etc.

Texto traduzido e adaptado do artigo La Tranferencia de Tecnologia Apropriada ao Pequeño Agriculor. Bordenava Juan E. Dias. Revista Interamericana de Educação de Adultos, vol. 3, no 1-2 – PRDE – OEA. Por Maria Thereza Grandi, OPS. Brasília, 1983.