Certamente você já passou por algum vídeo no TikTok que falava sobre a educação positiva.
E esses vídeos tem levantado algumas questões: a educação positiva é “barganhar” com a criança? Faz isso que te dou aquilo? É ser permissivo?
O senso comum sobre a educação positiva, ou pelo menos o que temos visto na maioria de vídeos, é de que a educação positiva consiste na plena permissividade.
Ou seja, na liberdade das crianças fazerem tudo o que desejam, na hora que desejam, do jeito que desejam.
Entretanto, essa ideia é completamente equivocada.
Então do que se trata a educação positiva?
Para entendermos este conceito vamos falar um pouco sobre as teorias que o fundamentam!
A educação positiva ou disciplina positiva, é uma abordagem socioemocional baseada nas teorias dos psicólogos humanistas Alfred Adler e Rudolf Dreikurs.
Mas o termo em si foi cunhado, no início dos anos 1980, pela educadora Jane Nelsen.
Alfred Adler
Foi um psiquiatra austríaco, contemporâneo de Freud, e que desenvolveu uma corrente que denominou “Psicologia Individual”.
A qual se dedicava ao estudo da unidade do indivíduo para compreensão de sua totalidade.
Ou seja, uma psicologia que orientava os seres humanos a serem capazes de cooperar pela convivência com os demais, esforçando-se para o autoaperfeiçoamento, a autorrealização e a contribuição para o bem-estar comum (LEAL & MASSIMI, 2017).
Adler acreditava que o ser humano é um ser social, que busca aceitação no seu meio, o qual é interpretado de acordo com sua própria subjetividade.
E por isso, as ações sempre possuem motivações por trás, que precisam ser entendidas para poderem ser interpretadas e discutidas.
Ainda, o psiquiatra não concordava com a ideia de que o sujeito estava predeterminado por sua hereditariedade e pelo meio externo que o cercava, mas que existia um ponto determinante na experiência de cada um e que poderia alterar suas ações e vivências: a atitude frente à vida.
Dessa forma, cada indivíduo possui um complexo e único modo de ser, por isso o nome “Psicologia Individual”.
Dois conceitos muito presentes em suas pesquisas e teorias são importantes para entender a filosofia que derivará de Adler, a educação positiva.
O primeiro se refere a busca, e a necessidade, que a criança possui de se sentir em segurança.
Adler entende que o indivíduo nasce com um sentimento de inferioridade, o que o leva à busca de aprovação dos adultos com quem tem contato, para que haja a “compensação” dessa posição desvantajosa.
O outro conceito aborda o sentimento de comunidade, o qual aborda a importância da manutenção dos laços afetivos e do entendimento da necessidade de cooperação, função que cabe aos adultos ensinar (LEAL & MASSIMI, 2017; FERNANDES, 2018).
A contribuição de Rudolf Dreikurs
Rudolf Dreikurs foi um psiquiatra e educador austríaco, aluno e colaborador de Adler.
Aplicou os princípios da psicologia individual à educação e introduziu o conceito de consequências lógicas, que se tornou um elemento fundamental na implementação da educação positiva.
As consequências lógicas são definidas por Dreikurs (1990) como “eventos que ocorrem como resultado de uma ação e que têm um efeito natural e inerente”.
Ao invés de punir a criança, a ideia central é permitir que ela compreenda as implicações de suas escolhas e desenvolva a autorregulação e responsabilidade.
Segundo Nelsen (2015), “consequências lógicas são situações em que as crianças experimentam os resultados de suas ações, em vez de serem protegidas deles ou punidas por eles”.
Dessa forma, as consequências lógicas são eventos naturais e inerentes resultantes das ações das crianças.
Enquanto punições podem levar à repressão e ao ressentimento, consequências lógicas permitem que as crianças aprendam a partir das consequências naturais de suas ações, promovendo o desenvolvimento da autorregulação e responsabilidade (NELSEN, 2015).
Em vez de impor uma punição arbitrária, o educador deve criar uma consequência que ajude a criança a aprender com seus erros e desenvolver habilidades para evitar comportamentos indesejados no futuro.
Por exemplo, em vez de punir o aluno com a perda do recreio, o educador pode solicitar que o aluno complete a tarefa durante um período de tempo livre na aula seguinte, oferecendo suporte adicional para ajudar o aluno a gerenciar seu tempo e concluir a tarefa com sucesso.
A ideia por trás das verdadeiras consequências lógicas é que as crianças aprendem melhor quando são capazes de experimentar as consequências naturais de suas ações e tomar decisões informadas sobre como agir no futuro (DREIKURS, 1990).
Ao permitir que as crianças enfrentem consequências lógicas, os educadores os encorajam a desenvolver habilidades de resolução de problemas e responsabilidade pessoal (NELSEN, 2015).
Jane Nelsen
A fonte primária sobre a educação positiva, como é divulgada hoje, é fruto das pesquisas da psicóloga Jane Nelsen, que define os conceitos, ferramentas e a perspectiva desse método.
Em sua obra (2015), apresenta a educação positiva como uma ferramenta essencial na transformação da visão e ação dos adultos em relação às necessidades e comportamentos da criança.
Assim, esta abordagem vai no sentido completamente contrário à repressão do indivíduo que objetiva a padronização de comportamentos analisada por Foucault e, também, transcende as reflexões de criticidade e autonomia de Montessori.
Refletindo sobre a infância e as situações vivenciadas nesta fase, almeja gerar um novo movimento por parte dos adultos, visando o cuidado e a compreensão de suas necessidades.
Então como podemos definir a educação positiva?
Podemos dizer que a educação positiva é uma abordagem ancorada no direito de crianças e adolescentes ao desenvolvimento saudável, à proteção contra violências e à participação significativa.
Ao qual busca desenvolver habilidades sociais da vida da criança/adolescente, sem que as mesmas precisem passar por experiências negativas de humilhação quando falham, mas possam usar a oportunidade de seus erros para a aprendizagem em um ambiente seguro.
Assim, essa abordagem, trata de instruir, educar, preparar, treinar, regular, capacitar e focar as pessoas adultas em soluções de situações problemas com crianças e adolescentes.
É construtiva, encorajadora, afirmativa, útil, amorosa e otimista no cuidado e educação das crianças e adolescentes.
É uma forma de criação que ensina o que é certo e errado, porém permitindo que as crianças sejam respeitadas com suas ideias sendo levadas em consideração e suas vontades não sendo sufocadas pelas vontades de adultos (PIERRE, 2022).
É a busca constante de encontrar um meio termo entre a autoridade e a permissividade, respeitando a criança enquanto indivíduo, assim como seus sentimentos e emoções, mas sem perder a autoridade parental (FAVRETO, 2022).
Estratégias de ensino com educação positiva
Implementar a educação positiva vai além da compreensão da teoria e dos princípios básicos.
É preciso também se dedicar à prática, ou seja, saber como aplicar esses princípios de maneira efetiva.
Promovendo Diálogo e Participação Ativa na Sala de Aula
Nelsen propõe uma estratégia (“reunião de classe”) muito similar à de Paulo Freire (“roda de Conversa”).
Ambos procuram estabelecer uma plataforma dialógica que capacita os alunos a expressarem suas ideias e perspectivas, potencializando seu envolvimento ativo no processo educacional.
Este método instiga a reflexão crítica e promove a construção coletiva do conhecimento, fomentando um ambiente em que a aprendizagem é vista como um processo compartilhado e colaborativo.
Essa abordagem, se destaca pelo reconhecimento da sala de aula como um espaço democrático e inclusivo, onde os alunos são vistos como participantes ativos e não apenas receptores passivos de informações.
Isso reflete um princípio fundamental tanto na educação positiva quanto na pedagogia do oprimido: a convicção de que a educação é um processo dialógico e participativo, que deve valorizar e incorporar as vozes e experiências de todos os participantes.
Os Quatro Passos para Cooperação
Ferramenta pedagógica central delineada por Nelsen (2015), os quatro passos para conseguir cooperação foi projetada tanto para os pais quanto para os educadores, a fim de aprimorar a qualidade das interações com as crianças, incentivando uma abordagem de comunicação e resolução de conflitos mais eficaz e respeitosa.
O primeiro passo envolve a expressão de compreensão pelos sentimentos da criança.
Este ato de reconhecimento emocional serve como uma ferramenta poderosa que valida os sentimentos da criança e contribui para a construção de um ambiente de aprendizado emocionalmente seguro.
No segundo passo, a demonstração de empatia é central, mesmo que haja discordância com as percepções da criança.
De acordo com Rogers (2003), a empatia é uma habilidade fundamental que permite aos outros se sentirem entendidos e aceitos, facilitando assim a construção de relações mais saudáveis e autênticas.
No terceiro passo, Nelsen (2015) propõe o compartilhamento de sentimentos e percepções do adulto com a criança.
Isso promove uma maior consciência emocional e compreensão mútua, contribuindo para a construção de um ambiente de aprendizado emocionalmente rico e diversificado.
O último passo envolve o convite à criança para buscar uma solução para o problema em questão.
Segundo Dewey (1938), o envolvimento ativo das crianças na resolução de problemas fomenta o desenvolvimento de habilidades de pensamento crítico e autônomo, que são fundamentais para o aprendizado significativo.
No entanto, é fundamental ressaltar as limitações desta abordagem.
Embora os “Quatro Passos” de Nelsen (2015) sirvam como um guia útil, eles não constituem uma fórmula mágica que garantirá a cooperação em todas as circunstâncias.
Ou seja, nem todas as crianças responderão da mesma maneira a esta abordagem e não se pode negligenciar a individualidade e a singularidade de cada criança assim como não levar em conta a influência de fatores contextuais (VYGOTSKY, 1978).
A importância do ‘como’ e do ‘o que’
O sentimento por trás do que fazemos ou dizemos é mais importante do que o que fazemos ou dizemos de fato.
O que fazemos nunca é tão importante quanto como o fazemos (NELSEN, 2015).
Assim, a comunicação, especialmente no contexto do ensino e da orientação infantil, transcende as palavras e ações concretas.
No entanto, a linguagem e a ação têm um papel fundamental na formação do pensamento e na interação social.
Portanto, a linguagem não serve apenas como um veículo para expressar sentimentos e intenções, mas também molda a maneira como pensamos e agimos.
Embora o ‘como’ possa ser fundamental para construir a proximidade e a confiança na interação com as crianças, ele não pode garantir completamente a reação positiva das crianças.
Vygotsky (1978) ressalta que as crianças também são atores ativos em seu aprendizado e desenvolvimento, o que implica que sua reação não é determinada unicamente pelo comportamento dos adultos.
Reconhecer a importância tanto da intenção e do sentimento quanto da linguagem e da ação ao se comunicar com as crianças é fundamental.
Ou seja, a forma como transmitimos nossas intenções e sentimentos – o ‘como’ – pode ser tão ou mais impactante do que o que realmente dizemos ou fazemos – o ‘o que’.
Nesse sentido, a prática da educação positiva deve alinhar nossas ações e linguagem com nossas intenções e sentimentos.
Assim, o respeito e o cuidado devem permear todas as nossas interações com as crianças, e que a coerência entre nosso tom, nossas ações e nossas palavras são cruciais para promover um ambiente de aprendizado positivo e seguro.
Compreendendo o comportamento infantil
Nelsen (2015) argumenta que o comportamento das crianças é fortemente influenciado por um contexto social e motivado por um objetivo.
Dentro dessa visão, se discute o conceito de “objetivos equivocados”, os quais incluem quatro categorias principais: atenção excessiva, poder, vingança e inadequação assumida.
Atenção excessiva
Nelsen (2015) explica que, quando as crianças se sentem desencorajadas, elas podem agir de maneira que atraia excessivamente a atenção dos adultos.
Este comportamento não é um simples pedido de atenção, mas uma tentativa equivocada de afirmar a sensação de pertencer e de ser importante.
Comportamentos como desafiar a autoridade dos adultos, ser teimoso ou se recusar a cooperar podem indicar uma busca equivocada por poder.
Vingança
Se as crianças se sentem profundamente desencorajadas e acreditam que não conseguem fazer parte do grupo ou serem vistas como importantes, podem recorrer à vingança, tentando prejudicar os outros como uma forma de expressar a dor que sentem.
Este objetivo equivocado pode se manifestar através de comportamentos agressivos e destrutivos.
Inadequação assumida
Neste estágio, as crianças se retiram e deixam de tentar alcançar qualquer sensação de serem parte do grupo ou de serem importantes, porque acreditam que não são capazes de fazê-lo.
Este objetivo equivocado é expresso através de comportamentos como a apatia, a falta de compromisso e a evitação de responsabilidades.
Vygotsky (1978), por sua vez, enfatiza a variabilidade individual no desenvolvimento e aprendizado das crianças.
Isso significa que as crianças, mesmo quando compartilham um contexto social semelhante, podem desenvolver e aprender de maneiras distintas, refletindo suas diferenças individuais, como interesses, temperamentos, experiências prévias, entre outros.
Este aspecto de variabilidade individual, embora seja menos explícito na teoria de Nelsen (2015), é um elemento chave na abordagem de Vygotsky e se alinha à ideia contemporânea de educação inclusiva e personalizada.
Compreender o comportamento infantil e aplicar estratégias de interação efetivas são metas que se entrelaçam e se complementam na educação e na criação de crianças.
Considerando que as crianças são seres sociais e ativos em seu próprio desenvolvimento, é essencial que as abordagens usadas para interagir com elas sejam flexíveis, inclusivas e adaptáveis.
Esta premissa nos leva a uma componente fundamental da educação positiva proposta por Nelsen: a gentileza e a firmeza.
As duas, quando aplicadas simultaneamente, oferecem uma resposta à variabilidade e complexidade do comportamento infantil, fortalecendo a autoestima, a responsabilidade e a cooperação nas crianças.
Gentileza e firmeza ao mesmo tempo
A gentileza, dentro da perspectiva da educação positiva, é interpretada como uma expressão de respeito à individualidade e aos sentimentos da criança (NELSEN, 2015).
Porém, esse conceito por vezes é confundido com permissividade, o que pode gerar interpretações equivocadas acerca de sua implementação.
A gentileza não se traduz em proteger a criança de todas as frustrações.
Ao contrário, consiste em auxiliar a criança a lidar com decepções e desafios, contribuindo para o desenvolvimento de resiliência e autorregulação.
Quando a gentileza é mal interpretada, os pais podem, inadvertidamente, impedir a criança de vivenciar experiências valiosas para o desenvolvimento de habilidades de resiliência e autorregulação, cruciais para a construção de uma autoestima saudável.
Já a firmeza na educação positiva se relaciona ao respeito a si mesmo, aos outros e às necessidades da situação, implicando a manutenção de limites e a garantia de que as regras e as expectativas sejam cumpridas (NELSEN, 2015).
Assim como a gentileza, a firmeza pode ser mal interpretada, com pais e educadores, frequentemente, associando-a à punição ou ao autoritarismo.
No entanto, a firmeza se traduz em assertividade e consistência, sem ser punitiva ou controladora.
Este entendimento contribui para que a criança aprenda sobre responsabilidade, perceba o impacto de suas ações sobre os outros e fomente a cooperação.
É importante reconhecer que a aplicação eficaz da educação positiva requer prática, paciência e, frequentemente, uma mudança de mentalidade.
Reavaliando a Autoestima na Educação
A autoestima ocupa uma posição central na psicologia e na educação, sendo percebida como um pré-requisito para o bem-estar e o sucesso na vida (NELSEN, 2015).
Entretanto a maneira como isso é geralmente colocado em prática, por meio de elogios, reconhecimentos e recompensas, frequentemente, limitam o desenvolvimento autônomo dessa competência.
A abordagem desta forma pode criar um cenário de dependência de validação externa, prejudicando a capacidade da criança de se autoavaliar e de cultivar um sentido genuíno de autovalorização.
Diferente da dependência de validação externa, a educação positiva enfatiza a autopercepção e a capacidade de contribuir de forma significativa para a comunidade.
A intenção é criar um ambiente de aceitação, onde as crianças possam desenvolver a confiança em suas próprias habilidades e percepções, promovendo, assim, uma autoestima mais robusta e estável.
Afinal é possível usar a educação positiva sem que ela se torne permissiva?
Sim, é! Mas requer paciência, persistência e conhecimento.
Entender que crianças e adolescentes são indivíduos com ideias, opiniões e escolhas nem sempre é uma tarefa fácil para quem não foi criado sob essa perspectiva.
Mas não é impossível.
Crianças e adolescentes são mais propensos a seguir regras que eles ajudaram a estabelecer.
E com ajudar a estabelecer, quero dizer conversar! O adulto não pode abrir mão de guiar o caminho, de ter autoridade, porém sem autoritarismo.
É conversando que todo mundo se entende!
E você, o que pensa a respeito?
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