A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio ainda em construção propõe grandes mudanças para o ensino.

Mas essa reforma seria uma coisa boa?

Quais os impactos reais serão causados no ensino?

Uma das grandes mudanças, com muito impacto na formação de professores, é o currículo.

Até a aprovação do BNCC o currículo era pensado em termos de componentes curriculares específicos.

Ou seja, nas disciplinas que conhecemos hoje, por exemplo Física, Química, Matemática, Português, Filosofia, etc.

A partir da BNCC passa a se organizar em cinco áreas: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação Técnica e Profissional.

Além dessa divisão em grandes áreas do conhecimento, as escolas não serão obrigadas a ofertarem os cinco itinerários formativos.

Como se isso já não fosse bastante prejudicial ao ensino, apenas os componentes Português e Matemática são obrigatórios.

O que há por trás dessa não obrigatoriedade?

Uma estratégia para “acabar” com a falta de professores no ensino médio.

Hoje enfrentamos um grande problema com poucos professores, principalmente nas áreas de física e química.

E se as escolas não serão obrigadas a ofertar essas disciplinas, acabou-se o problema.

Já que poderão optar por simplesmente não oferecer Ciências da Natureza e suas tecnologias.

Isso baixa o custo e também a qualidade do ensino.

Essa é mesmo uma solução do problema?

Em termos de números vai resolver, mas em termos de qualidade não.

Pelo contrário, essa medida obriga a quem estuda no ensino básico público a cursar apenas os itinerários ofertados por escolas da sua região.

E isso é muito grave.

Porque é não só um boicote para o ensino médio público, mas também um boicote ao acesso desses alunos ao ensino superior.

No momento em que as ações afirmativas, na forma de cotas para estudantes de escolas públicas, cotas para negros e outras políticas de inclusão, dão acesso para a população mais pobre às universidades públicas federais.

E como ficam os professores?

Como professores formados em Química, Física ou Biologia poderão atuar interdisciplinarmente para dar conta do currículo que irá surgir a partir da BNCC?

Que tipo de formação será exigida para atender essa demanda?

Em uma realidade onde professores dão aula em três, quatro escolas para conseguir sobreviver, onde será feito esse planejamento interdisciplinar?

Com que ferramentas? Em que espaço? Em que condições?

Em uma realidade onde professores dão 40 horas semanais exigir que todas as aulas sejam interdisciplinares é uma utopia.

Para atender essa demanda interdisciplinar, no mínimo seria necessário criar espaços de trabalho para os professores, que permita minimamente o encontro entre professores de disciplinas diferentes para preparar as aulas articuladas e conjuntas.

Isso é factível no momento atual?

Impõe também que as universidades formem professores com esse perfil interdisciplinar.

Oferecendo cursos de ciências da natureza com aprofundamento posterior em uma das disciplinas, física, química ou biologia.

Isso é viável na tradição largamente disciplinar da universidade brasileira?

Além disso, esse formato ao qual a BNCC quer implantar exigiria que os professores de escola pública tenham dedicação exclusiva, em um único estabelecimento e recebam bons salários.

Há vontade política de aumentar o salário de professores e criar a dedicação exclusiva para professores de educação básica?

É importante lembramos que a Emenda Constitucional (EC 95, de 2016) limitou os gastos públicos em Educação e Saúde por 20 anos.

Ou seja, investimentos na educação não são prioridades.

Então é muito possível que aumentará, em muito, as exigências sobre a profissão, mas o salário….

Sexualidade e ensino religioso

Uma outra mudança que vem junto a BNCC é a retirada as menções à “orientação sexual” e “gênero”.

Mas por que precisamos falar de gênero na escola?

Ao falar sobre gênero na escola, ninguém pretende dizer às crianças e adolescentes que “não existe” homem ou mulher, ou fazê-los “perder” sua identidade.

A questão é justamente compreender que socialmente nos relacionamos a partir de papéis que definem quem pode fazer o quê.

Falar de gênero e orientação sexual na escola é desconstruir valores que conferem poderes assimétricos a homens e mulheres, fomentando relações desiguais e, muitas vezes, violentas.

Na outra ponta a BNCC implementou a oferta obrigatória do ensino religioso nas escolas brasileiras.

E mais, coloca como possível o professor escolher qual religião trabalhar em sala de aula.

Em um espaço tão diverso quanto o Brasil como obrigar os alunos a assistirem aula de apenas uma determinada religião?

É importante o ensino de todas as religiões, de todas as formas de pensar.

Não a imposição de uma em detrimento de outra.

Educar não é apenas instruir, mas formar para o mundo, o que exige valores éticos.

Ensino interdisciplinar ou fragmentação total?

O Ensino Médio é justamente o momento em que as disciplinas se configuram em toda a sua plenitude.

E é claro que é importantíssimo a interdisciplinaridade no ensino.

Mas não podemos achar que de uma hora para outra o ensino vai funcionar de maneira interdisciplinar, porque não vai.

O ensino interdisciplinar não acontece como mágica, não basta apenas decidir que o trabalho vai ser feito desta maneira.

É preciso muito trabalho, muito planeamento, parceria entre os professores.

E além disso, recursos para que se possa trabalhar.

Coisa que passamos bem longe de encontrar nas escolas atualmente.

A BNCC ensino médio, nos moldes que se apresenta é um desmonte da educação básica pública.

É aumentar ainda mais o fosso que separa o ensino básico público da educação particular das elites.

E você, o que pensa a respeito?